quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Qual é a do Celular?

QUAL É A DO CELULAR?
Espaço, a fronteira final. Nas viagens da nave estelar Enterprise, da antiga série de ficção científica Jornada nas Estrelas, os tripulantes carregavam junto à cintura um pequeno aparelho.
Em suas missões para explorar estranhos novos mundos e novas civilizações, audaciosamente indo aonde ninguém jamais esteve, ligavam a geringonça e operavam o que nos anos 1960, quando a série estreou, era um milagre: falavam com quem quer que também possuísse o “comunicador intergaláctico“, mesmo a anos-luz de distância. Naves fazendo turismo espacial ainda parecem fazer parte de um futuro um pouco distante, mas a comunicação do presente já emparelhou com a da ficção. Existem hoje 3,5 bilhões de celulares em funcionamento no mundo, 133,15 milhões no Brasil, segundo a Agência Nacional de Telecomunicações. De artefato futurista, o aparelho tornou-se quase item obrigatório de vestuário. Para sair de casa, o ritual de milhões de pessoas é pegar bolsa ou carteira, chaves e nunca, nunca se esquecer do celular. "Me sinto nua sem ele", resume Eva Cedraz, 15, aluna do Colégio Central, em Nazaré. Ela se reuniu com colegas a pedido do Dez! para discutir a relação com o telefone móvel. O debate também foi feito no Colégio Dois de Julho, no Garcia.

Ter ou não ter
Antes do celular, havia o telefone fixo. E quem tinha pressa deixava recado. Na era do telefone de bolso, pouca gente tolera esperar. Mas é de fato impossível viver sem celular? "Impossível, não. Mas é uma necessidade", acredita Gláucio Santos, 17, aluno do Central. “É útil em caso de emergência", diz Eva, que ganhou seu primeiro aparelho aos 9 anos, mas o deixava em casa.
"Achava ridículo, grande demais", lembra. Hoje, ela está no sexto. No Dois de Julho, o consenso é o mesmo: viver é mais difícil sem celular.
Larissa Costa, 15, já passou uma semana sem o aparelho. "Fiquei desesperada! Botava meu chip no telefone dos outros para ver se alguém tinha ligado", conta. Mas há resistentes. Melissa Santana, 16, tem celular. Mas deixa em casa.
“Acho incômodo carregar aquilo". A vida sem pesos extras não deve durar, ela reconhece: "Sei que, cedo ou tarde, terei que andar com o telefone. E vou acabar entrando na ’moda’".

Sala de aula
No Central, debaixo dos caracóis dos cabelos de Jucimara Pena, 15, há uma vontade irresistível de falar mais um instante. A amiga Eva denuncia: "Ela esconde o celular embaixo do cabelo nas aulas". O sorriso sem-graça da acusada é uma confissão de culpa. Não é o maior problema com o telefone na escola. "Tem gente que cola porbluetooth", garante Michel Oliveira, 18. Mas velhas táticas ainda são populares, sobretudo diante dos professores que recolhem os telefones durante os exames: "A maneira antiga, com papel, é muito melhor", opina Michel. No Dois de Julho, não há cola por celular, dizem os alunos. Em dia de prova, os aparelhos sempre ficam sobre a mesa do professor. Ligações nas aulas, só com permissão dos mestres. Mas os alunos se queixam de exceções. "Tem professor que atende o celular na aula. Se a gente não pode, ele também devia ser proibido", pede Isabele Caterine, 17.

Trava-língua
Com o telefone celular, logo vieram as mensagens de texto. E o popularíssimo hábito de abreviar as palavras. Msg pra vc tbm, bj.
Fácil, não? Menos na hora de escrever as redações, quando o professor Cleidivaldo Sacramento, vice-diretor noturno do Central, vê o resultado da mania de tudo abreviar. "As pessoas se confundem", admite Eva Cedraz.
"Mas acho que é mais por causa do uso do computador, do messenger. Tem que diferenciar mundo formal da escola do informal da internet", ela aconselha. Ler mais livros ajuda, colegas recomendam. "Internet, MSN, celular, tudo isso causa um tipo de homogeneização cultural, o que é um problema", acredita Victor Pinto, 15, aluno do Dois de Julho. "Mas é fantástico viver numa época em que é possível se comunicar com qualquer pessoa", ele pondera, dando mostras de que considera a reprodução de modelos um preço baixo a pagar.

Faz-tudo
"Ligação é só uma conseqüência", decreta Raí Batista, 15, aluno do Central. Ouvir música, rádio, tirar fotos, fazer filmes, entrar na internet, ver vídeos e até televisão ocupam mais tempo.
Maria dos Reis, 16, diz já ter passeado uma noite inteira pelo Orkut através do celular. No final do mês, conheceu o outro lado da internet portátil. "Minha mãe ficou doida quando a conta chegou", lembra. Para Isabele Catarine, "ligar e mandar mensagem está bom". Mas a colega Priscilla Prata, 15, acrescenta um item à lista básica: a câmera. "Uma vez eu estava em um show e meu celular não tinha câmera. Senti falta de uma. É útil para registrar momentos", diz. A função primordial do telefone também anda desprestigiada por Roberto Rocha, 17, da escola no Garcia. Ele confessa: usa o celular mais para ouvir MP3. Diogo Oliveira, 15, do Central, sugere: "Você está no ônibus, sem fazer nada, vai ouvindo música no caminho".

Consumismo
Um lançamento atrás do outro. Eis a lógica do capitalismo. Depois do carro do ano, o celular do ano? Larissa Costa, do Colégio Dois de Julho, foi além. “Já tive três desde janeiro. Às vezes, a troca é por necessidade, por mudança de operadora. Mas não deixa de haver certo consumismo também“, ela reconhece. Andressa Rosa, 16, acredita que o telefone móvel já “se tornou descartável“, no sentido de poder ser trocado a qualquer momento, como uma peça de roupa. Mas ninguém é mais sincero do que Victor Pinto: “Acho que quando uma pessoa vê outra usando um celular mais moderno que o seu se sente mesmo ultrapassada. Eu, pelo menos, me sinto“, ele diz. Para Jéssica Vitoriano, 17, o consumismo é mero resultado do fato de a oferta das fábricas de telefone corresponder a necessidades e desejos reais das pessoas. “Se o celular não tivesse tantas utilidades, não teria tanta procura“, ela crê.

Beleza que põe mesa
A infinidade de funções que os telefones celulares têm pode até servir de critério na escolha de um aparelho. E para separar o moderno do ultramoderno, despertando impulsos consumistas nos viciados em tecnologia. Mas, segundo a consultora Mercedes Sanchez, cuja empresa testa a facilidade de uso dos novos modelos da Nokia e Motorola no Brasil, nada como um telefone bonito para arrebatar o brasileiro.
“O consumidor médio dá muita importância à questão estética. Faz parte da nossa cultura, as pessoas querem que o celular seja bonito, fininho, levinho. Para nós, beleza é fundamental, já dizia o poeta”.
Buscar prazer numa ferramenta cuja função é apenas deixar mais fácil a vida é uma característica bem brasileira, afirma a psicóloga Célia Souza. “Somos um povo que historicamente valoriza o belo em tudo Não é errado querer se sentir bonito, atraente ou moderno, mas o hedonismo desenfreado, em que a pessoa só sente seu próprio valor através do carro, da roupa ou do celular não é positivo”, ela diz.
“Acaba criando uma percepção de si e do mundo baseada na falsidade, uma vida de plástico”.
VOZES – A valorização da beleza e o desapego com questões técnicas, diz Mercedes Sanchez, é reflexo da grande dificuldade que a maioria das pessoas ainda tem para lidar com o aparelho. Ela ressalta que o Brasil é um dos países onde menos se envia mensagens de texto, por exemplo, devido à pequena familiaridade com a operação.
“A história de que basta ser jovem para usar todas as funções do telefone é mito. Simplesmente, as pessoas mais novas têm mais tempo livre para ficar fuçando e descobrir como o aparelho funciona”, comenta. “O celular é mesmo algo complicado de mexer.
O teclado é muito pequeno e a navegação, às vezes, é bem difícil”.
A consultora revela que o próximo passo na escalada tecnológica dos celulares serão as interfaces por voz. “As grandes empresas estão trabalhando nisso para melhorar o acesso. Acho que teremos novidades em breve”.

Um comentário:

Anônimo disse...

É preciso também saber desplugar, sair da rede
Coordenador do Centro de Pesquisa em Cibercultura da Universidade Federal da Bahia, o professor André Lemos estuda há quase duas décadas o impacto das tecnologias da comunicação e informação na sociedade. É um dos principais teóricos brasileiros na área e defensor do “faça você mesmo” na era digital.
AT – Qual a explicação para a popularidade do celular? AL – O celular é um dispositivo híbrido [funciona como telefone, máquina fotográfica, permite ouvir música, ver vídeos], é móvel e portátil, e se conecta a várias redes, como a GSM, 3G, wi-fi e bluetooth. O que faz dele um instrumento de comunicação bastante completo e por isso as pessoas estão aderindo em massa ao redor do planeta. Ele alia mobilidade física e informacional.

AT – A função primordial do celular é comunicar. Em seu trabalho, você ressalta a diferença da real comunicação para o mero envio de informação. O celular é, então, uma ilha de comunicação? AL – A comunicação é sempre improvável, mas o celular aumenta a possibilidade de contato com o outro. Mais interessante ainda é poder produzir informação, antes dominada pelas grandes empresas da indústria cultural de massa.

Estamos vendo o surgimento de funções pós-massivas, onde as pessoas podem emitir conteúdo e em mobilidade. O desafio é fazer delas agentes, não consumidores passivos. É preciso insistir também numa política da desconexão, auto-exclusão e afastamento crítico. As pessoas devem tirar o máximo proveito, mas também saber desplugar, sair da rede. Em pouco tempo, uma política de desconexão será mais importante do que o debate sobre a inclusão.

AT – Muita gente já usa o celular mais para ouvir música, jogar videogame ou tirar fotos. Isso é uma tendência que deve se aprofundar no futuro? AL – A tendência é a web móvel.

No Japão, por exemplo, os jovens já se conectam mais à internet pelo telefone celular do que por computadores. Falar é importante mas, em alguns países, o envio de SMS, localização e acesso à internet são ainda mais importantes em termos de uso.

Mais uma vez, o que está em jogo é a possibilidade inédita de consumir e produzir informação em mobilidade. Não se quer apenas ver televisão no telefone celular, mas produzir e circular conteúdo, reforçando laços sociais.